segunda-feira, 27 de abril de 2015

Mao Tse-Tung - Poemas




Recusar a Mao Tse-Tung, por considerações de caráter político, o lugar de grande poeta que por direito lhe cabe, seria tão desonesto e errôneo como, por motivos idênticos, embora de caráter oposto, recusar a Ezra Pound a posição indiscutível de destaque na literatura Ocidental deste século. 

Mao Tse-Tung acreditava-se mais como um revolucionário e sentia-se de certa forma contrariado com sua obra poética, cujas características especiais de estilo sugerem os escritos  dentro dos moldes tradicionais e com linguagem clássica. Foram essas as razões talvez das suas hesitações em divulgá-los em um momento que a China buscava uma direção nova, e necessitava romper com velhas tradições de uma época de ouro do passado idealizada pela cultura tradicional, para construir uma nova era a partir do rompimento de raízes milenares e do desenvolvimento de novas estruturas sociais e culturais em direção ao comunismo.

Foi em 1945, na revista Ta Kung Pao, de Chungking, que apareceu o primeiro poema de Mao devido a indiscrição de seu amigo Liu Ya-Tzu. Em Agosto de 1945, Mao viaja pela primeira vez de avião, de Yenan para ChungKing, a fim de conferenciar com Chiang Kay-shek sobre a possibilidade de um governo de coalizão. Parece que o poema Neve foi escrito durante a viagem e oferecido ao poeta Liu Ya-Tzu, que não o via desde 1927, conforme um velho costume chinês de homens letrados trocarem poemas. Veremos o mesmo acontecer em 1949 e 1950 entre os dois. Mas em 1945 Liu entregou o poema ao editor do Ta Kung Pao. Mao contou a Robert Payne em 1946: "Dei-o ao meu amigo pedindo-lhe que não mostrasse a ninguém, mas ele publicou-o sem minha autorização". Em 1946 eram já conhecidos três poemas de sua autoria: Neve, Monte Liup'an e A Grande Marcha.

Pareceu para os que ansiavam em conhecer seus poemas que Mao considerava-os menores e uma atividade para passar o tempo por pura diversão. Não queria misturar sua poesia com a vida política. Nesta altura já havia estabelecido seu programa de "arte para as massas". Como poderia ele aparecer como autor de poemas em forma tradicional e linguagem clássica ? Por isso quando Payne, que tinha pedido seus poemas antes, ao partir ainda quis vê-los: "Não há poemas ?" - insistiu. A resposta foi: "Não por algum tempo". Só doze anos depois, em Fevereiro de 1957, permitiu, com relutância, a publicação de mais 16 poemas, na revista Shih-k'an (Poesia), dirigida por Tsang K'a-chia. A missiva que acompanhava os poemas dizia: "Recebi sua amável carta faz algum tempo e lamento ter demorado tanto em responder. Como desejava, copiei em folhas separadas todos os poemas em estilo antigo que posso recordar, tal como os oito que me enviou. São dezoito ao todo. Aqui vão estes poemas, que ponho a sua disposição". 

A tradução do chinês para o português de Manoel Seabra, de 1974, é uma verdadeiras raridade. Um trabalho hérculeo que exigiu como é o caso uma conversão do sentido poético, do ideograma para a escrita fonética mantendo seu ritmo original e fluente. Essa edição portuguesa é um daqueles poucos exemplos que encontramos na divulgação da cultura chinesa sem ter sido vertida da lingua inglesa ou do alemão, nem sempre com um resultado de tradução feliz. Seguem alguns dos Poemas:

CH'ANGSHA (1925)

Segundo a melodia Shen Yüan Ch'un

Sózinho no frio do Outono
onde o rio Hsiang corre para o Norte
contornando Chützuchou
As montanhas são escarlate
das folhas de árvore murchas
e no rio de jade transparente
cem barcos lutam na corrente
Águias voando contra o céu
e nas águas fundas peixe silencioso:
todos livres sob o céu gelado
Sozinho na desolada imensidão,
pergunto à vasta terra:
"Quem governa o destino do homem?"
Recordo tantos amigos reunidos
nesses meses e anos agitados.
Éramos todos companheiros
cheios de nobreza e juventude
e como escolares inquietos
acusávamos o mundo e os homens.
Apontávamos o rio e as montanhas
e proclamávamos nossas ideias,
tratando como lixo os grandes senhores.
Ainda recordais bem
como, no rio, batíamos os remos
contra a corrente que não deixava avançar?

A TORRE DO GROU AMARELO (1927) Primavera

segundo a melodia P'u Sa Man

Vastos vastos nove rios atravessam a China
e um simples caminho de ferro de Norte a Sul
Envoltas em chuva e em neblina azul
a Tartaruga e a Serpente dominam o rio

Quem sabe para onde voou o Grou Amarelo?
Ficou aqui apenas a pousada dos peregrinos.
Ergo a minha taça às águas tumultuosas,
o coração pulsando com as marés.

NEVE (1936) Fevereiro

segundo a melodia Shen Yüan Ch'un

Paisagem gloriosamente ventosa:
centenas de léguas cobertas de gelo
e outras tantas varridas pela neve.
De ambos os lados da Grande Muralha
a mesma desolada vastidão.
Por todo o rio Amarelo
as grandes ondas tudo inundam.
As cordilheiras dançam como serpentes de prata
e as colinas galopam como elefantes
querendo desafiar as altitudes celestes.
Só um dia claro
vê toda a terra vestida de vermelho
como uma visão mágica e anormal.
Tão grande é a beleza desses rios e montanhas
que inúmeros heróis
têm lutado pelos seus encantos.
Pouca era a cultura literária
dos imperadores Shih Huang e Wu Ti
e não eram muito românticos
os imperadores T'ai Tsung e Ts'ai Tsu.
E esse orgulhoso Gengis Cão
só sabia retesar o arco
e disparar contra as águias do céu
Mas todos pertencem ao passado
e homens de verdadeira sabedoria
há-de mostrarmos a nossa época. 

  Fonte: Poemas de Mao Tse-tung - Tradução direta do chinês por Manuel Seabra -Editorial Futura - 2º Ed. - Lisboa - 1974     

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